Gaiolas (2006)

Este trabalho consiste em representar os obstáculos que impedem o ser humano de concretizar os seus sonhos ou atingir os seus objectos. Isto è, muitas vezes tem-se vontade de fazer algo, mas existe dificuldades que , às vezes, são incontornáveis a sua realização. Estes trabalhos não foram idealizados na primeira pessoa, mas numa perspectiva colectiva, social, como forma de comunicar, de expressar sentimentos e emoções comuns aos seus observadores. “Penso que a situação que pode realmente fazer-nos perder a cabeça, é a situação interior; quanto mais a minha obra se abre para o exterior, mais penso que estou a falar dos meus problemas e da minha vida interior”. Pretende-se fazer um questionamento existencial na condição humana, a ponto de testar os limites de cada um e a forma como são ultrapassados. Provocar um juízo reflectivo, onde o observador consiga captar através do seu olhar a temática focada, transpondo-a para si mesmo, podendo mesmo, nesse momento individual passar a ser um momento colectivo. ”É preciso acreditar no que se faz, é preciso estar comprometido interiormente para fazer pintura. Depois de possuído por este espírito, atinge-se o ponto em que se acredita conseguir mudar a humanidade através da pintura. Contudo, quando se é alheio a esta paixão não há nada a fazer. Nesse caso, é preferível manter-se afastado. Porque, fundamentalmente, a pintura é uma perfeita idiotice”
O título “gaiolas” foi escolhido por motivos sociais e, ao mesmo tempo, decorativos. A Gaiola é o local onde se colocam as aves para efeitos decorativos ou para criação. Tanto uma forma como a outra servem para aprisionar. É local onde se guarda um bem que foi adquirido e que tem um maior ou menor valor. Assim, no caso dos pássaros, existem algumas pessoas, que os adquirem para companhia, não olhando ao seu aspecto. Outras pessoas a forma decorativa é o que determina a sua compra. Quer os pássaros quer a gaiola são objecto de uma escolha elaborada e com a preocupação que fique bem com a carpete da sala. Outras pessoas ainda, procuram belos exemplares raros, como forma de promoção social no grupo dos coleccionadores. Assim como no ser humano as barreiras podem também servir de elemento decorativo, no sentido que em servem de desculpa para não se fazer esforços para serem ultrapassadas. E ao mesmo tempo servem camuflarem o interior de cada um.
Este trabalho foi evoluindo, ganhando forma e contornos mais definidos ao longo do tempo e de acordo com as pesquisas e reflexões foram avançando.
Numa primeira fase foram recolhidas e armazenadas imagens do quotidiano e de trabalhos de vários artistas. A escolha das folhas de jornal como suporte para a representação das temáticas escolhidas surgiu na sequência da entrevista de “Tadeu Chiarelli com Sérgio Niculitcheff artista plástico” na Internet. Esta entrevista contribuiu para a reflexão sobre as temáticas que são escolhidas e publicadas nos meios da comunicação escritos e como essa escolha condiciona e manipula a formação de opinião generalizada e o quanto não estimula, estrangulando mesmo, a realização de reflexões, quer alternativas quer mais elaboradas. Com isso, criam-se barreiras à descoberta e incapacidade de desenvolvimento. Quem tiver consciência desta realidade, necessariamente, terá sentimentos de revolta e necessidade de a demonstram exteriormente. Foi assim que surgiu a vontade de criar um “jornal“ de imagens que vai obrigar a um questionamento no observador sobre a sua “gaiola” e o que ela contém.
O querer mostrar o trabalho como fosse um acto de magia, buscando a ideia dos livros de três dimensões para crianças como um conto de fadas mas a história que tem algo de amargo e sem final feliz garantido. Por isso explorei a concepção de um livro em três dimensões onde é apresentado como plano de fundo os recortes com cores negras como o lado obscuro do ser humano e em primeiro plano a gaiola decorada como “capa” exterior. Construí diversas maquetas em diversos materiais para poder concretizar em grande escala. A intenção era construir gaiolas diferentes em diferentes tamanhos e diferentes formas de montagem.
Para este tipo de apresentação a referencia foi Francis Bacon no sentido em que ele apresentava as suas figuras com estivessem dentro de um aquário fazendo-as prisioneiras e ao mesmo tempo tornando-as o centro de atenções como estivessem num palco. Martin Puryear, See, 1984, Giacometi, Nose, 1947, Diego, 1953, são outras das referências apenas pela forma de apresentação dos seus trabalhos. No entanto, este processo foi abandonado por ser demasiado objectivo e ao mesmo tempo bastante decorativo, desconcentrando olhar do essencial que é o conteúdo da mensagem. Ao mesmo tempo por problemas de construção dado que o material tinha de ser papel, para poder se fechar como um livro e pela falta de equilíbrio dado ao tamanho apresentado.

Numa segunda fase do trabalho, trabalhei a ideia da construção de um espaço imaginário onde se sentisse claustrofobia. Assim, esses espaços deviam ser apertados, efeito que era obtido através da criação de espaços cobertos com cores simbólicas e fortes. Ao princípio pretendia-se preencher esses espaços com materiais que podiam levar tanto a sensações como a construções objectivas para melhor exemplificar cada contexto. Este espaço tem diversas divisões em que cada uma delas tem uma cor representativa para cada barreira. Verde para sociedade, Azul para a família, Cor-de-rosa para a Politica, Dourado e Azul para o dinheiro, Branco para o tempo, Preto para a morte. As cores foram escolhidas de devido a leituras e por deduções. O verde por ser uma cor da natureza (relva, arvores) onde habitam e alimentam-se os animais e o ser humano faz parte desse ecossistema. Azul por ser uma cor que transmite calma, tranquilidade mas ao mesmo tempo pode ser uma cor fria que cria o distanciamento. Cor-de-rosa uma cor mais activa, sinonimo de sonhos (sonhos cor de rosa) muitas vezes ideológicos mas que todos nós lutamos por eles, e ansiamos atingir esse momento auge. Contudo ao atingir o lugar do poder muitas coisas e seres humanos foram sacrificados. O dourado e azul por ser materiais ricos onde são utilizados em peças de valor que muitos anseiam obter, mas quando as têm não utilizam por receio de as partir. O mesmo acontece com o ser humano faz planos mas o pouco dinheiro é o grande problema para a concretização. Dinheiro a mais também provoca preocupações acabando por as tornar “escravas” . Branco, a não cor como tempo indeterminado. Com o stress do dia a dia perde-se a noção dos dias da semana e das horas, passa-se o tempo a correr fazendo várias coisas mas ao mesmo sem tempo para se fazer o que se querer. Preto cor negra, opaca, símbolo da morte., não é preciso morrer para se estar morto, isto é quando se está cansado de lutar para alcançar os seus objectivos, quando a vida corre sem que tenha participado dela, o ser humano é “engolido” pela sociedade e deixa de existir como ser humano e passa a ser mais um elemento anónimo da sociedade.

Nalgumas divisões tem os papeis brancos com elemento representativo de algumas trabalhos de aguarela onde tento contar historias entre formas.
Estes espaços comunicam entre eles de forma confusa, podendo ser visitado e revisitado como forma de avanços e recuos do ser humano, podendo mesmo perder o sentido de orientação.

Neste grupo de formas individuais é a representação de “seres limitados ” com diferentes formas de estar desde os mais activos como os mais passivos. Alguns deles tentam ultrapassar as suas limitações acabando por conseguir. Mas logo encontram outros seres limitados ou encontram outras barreiras dificultando assim a expansão desse ser.

Os autores de referência nesta fase foram: a Gregor Schneider pela escolha do espaço labiríntico; Mr Graham pela utilização de vidros e espelhos procurando ilusão de óptica criando enganos podendo chegar ao ponto do incómodo e desconforto; a Mona Hatoum pela procura de materiais simbólicos para a construção da maqueta (como rede, vidro, fios) onde gera uma ambivalência de símbolos tentando assim criar atitudes sofucantes podendo mesmo levar ao desespero; e ao Suprematismo, psicologia da cor para a escolha das cores. Esta opção não foi continuada pela manifesta insatisfação sensorial demonstrada e pela dificuldade encontradas na execução do trabalho já desenvolvido. Senti a falta da utilização da cor dado ao aspecto sensorial e das tenções das mesmas.


Na terceira fase, o trabalho foi desenvolvida tendo por base várias aguarelas constituídas por várias formas com conteúdos coloridos como seres com diferentes personalidades em diferentes ambientes. A utilização da cor foi a razão fundamental para a mudança de apresentação deste trabalho porque é o que melhor representa o que não é representável. Não se trata de uma natureza visível mas sim de sensações e a cor é essencial para este tipo de representação. Ao mesmo tempo o contraste tonal provocando relações entre elas (sendo elas complementares ou não) Formas constituídas pela cor limitadas por linhas ou mesmo pelo contraste do fundo são elementos de representação dos relacionamentos entre as formas e a sua permeabilidade do conteúdo com o meio e entre si. Construindo assim histórias de relações estabelecidas em sociedade. A escolha da aguarela foi perceber que é um elemento plástico que melhor transmite a ideia de permeabilidade, sobreposição entre as cores, a mudança tonal chegando mesmo a absorção de algumas delas.
Aqui os autores de referência foram: um conjunto de trabalhos de Eduardo Batarda onde ele constrói formas como ideia de ser; e as diferentes características de cada um deles. Escher e Eduardo Nery, na componente como são trabalhados e estabelecida a relação entre as formas e as cores. O trabalho aqui apresentado está relacionado ao contexto do abstracto. Também Rui Chafes, nos trabalhos “Vê como tremo” e “tenho frio”, é uma referência para este trabalho. Ele explora os seus trabalhos criando situações de aprisionamento, de isolamento de espaços podendo estes serem habitados por qualquer um de nós.
Procura-se a essência do ser e não ser, a sua representação e o seu informalismo, onde o gesto, a cor e a orgânica das formas é uma preocupação constante, num processo continuo de criação, sem haver uma prévia concepção do resultado final. Pelo imprevisto ocasionalidade controlada tenho como referencia Rothko e Helmut Dorner que embora contrários na busca da bi-tridimensionalidade e na luminosidade, ambos não têm um estudo prévio do trabalho final contudo a atitude de controlo mínimo sobre ele. Procurei a luminosidade de Rothko onde as formas habitam e se relacionam entre elas. Em Dorner a gestualidade, do goteamento da tinta e o mínimo de controlo na direcção da mesma.